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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Um cientista que todos devem conhecer

A ciência agora faz arte http://www.educacional.com.br/entrevistas/entrevista0087.asp
Imagine um cientista ou um professor de Ciências. Se a figura que você visualizou é metódica, racional, calculista e fala sobre coisas pouco emocionantes e muito difíceis de explicar, você pensa como a maioria das pessoas. Mas, se você imaginou o oposto, talvez já tenha tido a oportunidade de conhecer gente como o bioquímico Leopoldo de Meis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ele trabalha, com a ajuda de artistas, para mostrar a face emocionante da ciência. Dessa parceria inusitada já surgiram peças de teatro, livros (dentre eles, O Método Científico) e um CD-ROM sobre o funcionamento da mitocôndria. O entendimento de conceitos científicos não é coisa fácil de se conseguir. Alunos se cansam facilmente das fórmulas e conteúdos sem vida. Professores, levados por pressões diversas, como o vestibular, acabam optando por "decorebas". Até os cientistas, quando não encontram emoção na atividade, acabam esquecendo que, por trás de toda aparente aridez da ciência, mora um mistério mais do que atraente. Para despertar esse encantamento, Leopoldo de Meis iniciou seus trabalhos de aproximação entre a ciência e a arte. Uma das investidas foi o livro O Método Científico, feito em parceria com o artista Diucênio Rangel. Escrita em quadrinhos, de estilo semelhante aos gibis que os jovens gastam satisfeitos a mesada para ler, a obra já está na terceira edição. Cada uma delas com uma tiragem de 4 mil exemplares: 70% foram doados a escolas públicas ou a professores e o resto, vendido a preço de custo. A partir do livro, outra iniciativas foram surgindo. Uma peça baseada em O Método Científico, na qual atuaram professores doutores e alunos de pós-graduação e de iniciação científica, foi encenada 30 vezes em todo o Brasil. A maior parte, a convite de universidades e congressos que misturaram alunos de escolas e universitários. A mais recente idéia de Leopoldo de Meis foi utilizar a computação gráfica para divulgar a ciência. Assim, surgiu o CD-ROM (Mitocôndria em Três Atos) sobre o desenvolvimento da mitocôndria, com imagens e músicas escolhidas a dedo. O objetivo principal é emocionar, porque, segundo ele, a emoção tem uma função didática fundamental: ela motiva o aprendizado. Na entrevista abaixo, Leopoldo de Meis define ciência e opina sobre o ensino e a importância da emoção para a compreensão de conceitos. O que é a ciência? A ciência é uma atividade por meio da qual o homem procura entender a natureza e o universo que o cerca. Qual é o papel dela no mundo de hoje? Desde o princípio até os dias atuais, a ciência tem derrubado muitos tabus e crenças, o que tornou o homem mais livre. Por exemplo: até 1800 a.C., o homem acreditava que doenças fossem manifestações da alma ou castigos de deuses. Hoje, sabemos que não. O grande médico Stahl, em 1703, acreditava (e ensinava) que a febre era uma manifestação da alma. Atualmente, a aspirina e o tilenol são excelentes antitérmicos que abolem a febre. É pouco provável que a aspirina ou tilenol atuem na alma, não? O ensino da ciência nas escolas é feito de forma funcional? Varia muito de uma escola para outra, mas, de forma geral, não. Este não é um problema exclusivamente brasileiro. Ainda não conseguimos nos adaptar à explosão do saber dos últimos 100 anos. Em trabalho recente de minha colega Denise Lannes, professores e alunos de diversas escolas foram entrevistados, e a conclusão é de que a maioria dos alunos acha que a escola não ensina o que eles querem aprender e os professores não ensinam o que eles gostariam de ensinar. Quadro complicado este. O trabalho vai sair brevemente na revista inglesa Educational Research e faz parte da tese de doutorado da Denise. Como despertar o interesse dos jovens pela área? A maior parte dos professores de Ciências não está preparada para a tarefa. Ademais, ensinamos hoje em dia como Aristóteles ensinava em sua escola, o Liceu, em 335 a.C. De modo geral, diria que a forma como ensinamos ciência é muito chata. O material didático que usamos, via de regra, não possui atrativos. Nos preocupamos muito com a informação e pouco com a formação. Existe espaço para a intuição e a criatividade no ensino e também na pesquisa científica? Claro. Esses são ingredientes fundamentais em qualquer profissão. Método, lógica, intuição e criatividade são necessários em qualquer área. O que é preciso para ser um bom professor de Ciências? Ser culto e ser "boa gente" ou, como muitos jovens gostam de afirmar aqui no Rio, "sangue bom". Qual é o papel da emoção no aprendizado da ciência? No meu entender, a emoção é a principal força motivadora do homem. Qualquer atividade que permite emocionar os jovens captura o interesse e a dedicação deles (e de coroas também) e a ciência e a educação não são exceções. Existe este estereótipo de que cientista é só lógica e método, tipo robô. Não se pode esquecer que a ciência é feita por homens e mulheres e estes não são uma espécie à parte — vão ao cinema, namoram, tomam chope, feito qualquer outro mortal. Faz diferença para o trabalho de um cientista ter formação humanística? Acho que uma formação humanística é fundamental em qualquer profissão, inclusive na de cientista. Essa pergunta costuma ser feita somente para cientistas, mas seria ótimo se fosse estendida para advogados, jornalistas, militares, professores ou qualquer ser humano. Acho que uma cultura humanista mais ampla seguramente tornaria nossa sociedade muito mais civilizada. Existem muitas outras iniciativas e cientistas que estão se preocupando em facilitar o acesso da população à ciência? Muitos: em Campinas, Prof. Paulo Arruda e o próprio reitor da Universidade de Campinas, Prof. Brito Cruz, um excelente físico que também trabalha em Educação; Prof. Tania, do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro; Prof. Eleonora Kurtnback, de nosso departamento, e Prof. Pedro Persechini, do Instituto de Biofísica da UFRJ, ambos responsáveis pelo "Espaço Ciência Viva"; toda a equipe da revista Ciência Hoje e Ciência para as Crianças, coordenadas pelo Prof. Roberto Lent; Prof. Hamburguer, da Estação Ciência, em São Paulo, e muitos outros. Dica Veja mais sobre o livro O Método Científico, de Leopoldo de Meis Ciência Hoje Espaço Ciência Viva
História do Método Científico http://ciencia.hsw.uol.com.br/metodos-cientificos3.htm
A Idade Média, entre os anos 500 e 1100, foi caracterizada por uma decadência geral da civilização. O conhecimento proveniente dos antigos romanos sobreviveu em apenas alguns mosteiros, catedrais e escolas reais, e o conhecimento oriundo da Grécia antiga praticamente desapareceu. De pouco antes do início da Idade Média até um século depois de seu fim, não existiu praticamente nenhum avanço científico importante. A Igreja Católica se tornou muito poderosa na Europa e o dogma religioso determinava muito do que as pessoas pensavam e acreditavam. Aqueles cujas crenças ou práticas se desviavam da norma da Igreja eram "reabilitados" e acabavam voltando ao seio do rebanho. Os que mostravam resistência eram perseguidos ou excomungados. William Radcliffe/Science Faction/Getty Images Copérnico observou que os planetas giravam em torno do Sol, e não em volta da Terra No século 12, surgiu o Renascimento. Os estudiosos europeus começaram a ter contato com o conhecimento e as culturas cultivadas no mundo islâmico e em outras regiões além de suas fronteiras, e voltaram a se familiarizar com os trabalhos de antigos pensadores como Aristóteles, Ptolomeu e Euclides. Isso ofereceu uma plataforma e vocabulário comum sobre os quais construir uma comunidade científica mais ampla que poderia trocar idéias e inspirar formas criativas de solucionar problemas. Veja a seguir alguns dos importantes pensadores que surgiram na época do Renascimento. •Albertus Magnus (1193 - 1250) e Tomás de Aquino (1225 - 1274) - dois estudiosos do escolasticismo, um sistema filosófico que enfatiza o uso da razão na exploração de questões de filosofia e teologia. Magnus fazia uma distinção entre verdade revelada (a revelação de algo desconhecido por meio do poder divino) e ciência experimental, e realizou muitas observações científicas nos campos da astronomia, química, geografia e fisiologia. •Roger Bacon (1210 - 1293) - frade franciscano, cientista e estudioso inglês, apelou para o fim da aceitação cega de alguns textos muito difundidos. Ele tomou por alvo, em especial, as idéias de Aristóteles, as quais, ainda que valiosas, eram muitas vezes tomadas como se fossem fatos, mesmo não havendo provas que as sustentassem. •Francis Bacon (1561-1626) - advogado (em inglês) de sucesso e influente filósofo que reformou o pensamento científico. Em seu "Instauratio Magna", Bacon propôs uma nova abordagem da investigação científica. Ele o publicou em 1621 sob o título "Novum Organum Scientiarum". A nova abordagem advogava o raciocínio indutivo como fundação do pensamento científico. Bacon argumentou também que apenas um sistema claro de investigação científica poderia garantir o domínio do homem sobre o mundo. Francis Bacon foi o primeiro a formalizar o conceito de método científico. Foram os trabalhos de Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642) que influenciaram fortemente o pensamento de Bacon. Copérnico propôs, com base em suas observações, que os planetas do Sistema Solar giravam em torno do sol, e não da Terra. Galileu conseguiu confirmar uma estrutura centrada no sol, quando usou um telescópio projetado por ele mesmo para obter dados sobre, entre outras coisas, as luas de Júpiter e as fases de Vênus. A maior contribuição de Galileu, porém, pode ter sido seu estudo sistemático do movimento, baseado em descrições matemáticas simples. Na época da morte de Galileu, o terreno estava preparado para uma verdadeira revolução no pensamento científico. Isaac Newton (1642-1727) contribuiu bastante para impulsionar essa revolução. Seu trabalho no campo da matemática resultou no cálculo integral e diferencial. Seu trabalho na astronomia ajudou a definir as leis do movimento e da gravitação universal. Os estudos de óptica de Isaac Newton conduziram ao primeiro telescópio reflexivo. Um tema comum a todo o trabalho de Newton era uma capacidade quase sobrenatural de desenvolver alguns conceitos e equações relativamente simples, mas com enorme poder de previsão. Seus sistemas unificados de leis resistiram a séculos de teste e reflexão e continuam permitindo que cientistas estudem outros mistérios da física e da astronomia. Seria justo dizer que o período coberto pela carreira de Newton marca o começo da ciência moderna. No início do século 19, a ciência estava estabelecida como campo independente e respeitado de estudos, e o método científico - baseado em testes e observação - estava sendo adotado em todo o mundo. Um exemplo clássico de como a ciência evoluiu como esforço colaborativo - que gera ampliação gradual do conhecimento - pode ser encontrado no desenvolvimento do que hoje designamos como teoria celular.

Artigo analisando probabilidade, hipótese e resultado.

Corvos pretos, vacas azuis e o método científico Artigo analisando probabilidade, hipótese e resultado. Revista Superinteressante
Discutir alguns paradoxos, aparentes ou não, que envolvem a teoria das probabilidades e fazer comentários sobre o método científico e o senso comum são meus objetivos neste artigo. Dois equívocos são muito freqüentes: o primeiro quando se estimam as probabilidades de modo correto mas se apresentam os resultados de forma determinista, levando as pessoas a confundir alta probabilidade com certeza e baixa probabilidade com impossibilidade; o segundo acontece quando se empregam as metodologias usuais de forma dogmática, ignorando-se obstáculos que a própria ciência ainda não conseguiu remover de forma satisfatória. Em 1937, o periódico sueco Theoria publicou um artigo do filósofo alemão Carl G. Hempel, nascido em 1905, professor da Universidade de Princeton, Estados Unidos, que até hoje é citado pelos filósofos da ciência, pois mexe com um dos pilares do método científico: o paradoxo de Hempel, como ficou conhecido. A maioria dos cientistas, quando trabalha com uma hipótese, julga ter uma boa noção do que é um exemplo confirmador dela. No entanto, segundo Hempel, esse julgamento é precário: suponha, dizia ele, que a hipótese a ser investigada é a de que todos os corvos são pretos. A tarefa será examinar o maior número possível de corvos; quanto mais corvos pretos forem encontrados mais provável se tornará a hipótese. Assim, cada corvo preto pode ser considerado um exemplo confirmador. No entanto, por um processo que a Lógica denomina inferência imediata, sabemos que uma declaração do tipo “todo A tem propriedade P” é logicamente equivalente à declaração “todos os objetos que não têm propriedade P são não-A”. As duas declarações têm o mesmo sentido e como conseqüência natural todo exemplo confirmador da segunda deve confirmar também a primeira. Dessa forma, a hipótese “todos os corvos são pretos” pode ser substituída pela sua logicamente equivalente “todos os objetos não-pretos são não-corvos”. Então, a tarefa de examinar um número cada vez maior de corvos para verificar se são pretos pode ser substituída pelo exame de um número cada vez maior de objetos não-pretos para verificar se são não-corvos. Você que está lendo este artigo encontra vários exemplos confirmadores, sem sair de seu ambiente: o abajur não-preto que é não-corvo, a revista não-preta que é não-corvo, a cadeira não-preta que é não-corvo etc. Uma vaca azul é um exemplo confirmador de que “todos os objetos não-pretos são não-corvos” e, portanto, concorre para confirmar a provável veracidade da hipótese logicamente equivalente “todos os corvos são pretos”. É necessário que se tenha em mente que não houve falha de raciocínio, mas, como afirma Hempel, “intuição desviada”. Quando se trabalha com um grupo que envolve um número pequeno de membros, tal processo de investigação é aceitável. Mas a situação se complica no exemplo dos corvos, pois seu número no planeta é grande e está em brutal desproporção com o número de objetos não-pretos, o que torna a pesquisa altamente ineficiente. Creio que a grande maioria das pessoas concorda que examinar objetos não-pretos é um método pouco eficiente de pesquisar a hipótese inicial, mas a questão que levanto é mais sutil. Trata-se, de fato, de pesquisar se uma vaca azul ou um elefante branco são ou não exemplos confirmadores de que “todo corvo é preto”. Alguns lógicos pensam que sim e notem que nossos exemplos são relativos a conjuntos finitos; em coleções infinitas, tais raciocínios são bem mais complicados. Os que não têm muita certeza se tais exemplos servem para confirmar, por pouco que seja, a probabilidade da hipótese original observam que um elefante branco, pelo mesmo raciocínio, seria exemplo confirmador da hipótese “todos os corvos são amarelos”. E perguntam como a descoberta de um mesmo objeto concorre para provar a verdade de duas hipóteses antagônicas. As análises realizadas sobre o paradoxo de Hempel contribuíram para que se conhecesse a natureza um tanto obscura da Lógica indutiva e mexeram no âmago de metodologias usuais da obtenção do conhecimento científico. Hoje, a ciência trocou a busca das certezas permanentes pela medida dos graus de incerteza. Nos centros de pesquisa não moram mais deuses, mas simples mortais que não se alimentam de verdades eternas - e, sim, provisórias.

Os números das estatísticas não mentem jamais. Será?

Os números das estatísticas não mentem jamais. Será? Como são feitas as pesquisas e as estatísticas. por Thereza Venturoli (Revista Superinteressante) “Fulano está com 34% de intenções de voto”. “Fome atinge 32 milhões de brasileiros”. “São realizados 4 milhões de abortos por ano no Brasil”. O homem nem sequer sonhava com eleições de massa, contabilização da miséria ou de abortos quando Santo Agostinho, no século VI, alertou os bons cidadãos contra “os matemáticos e todos aqueles que fazem profecias vazias”. Segundo Agostinho, “o perigo é que eles tenham feito um pacto com o Diabo para obscurecer o espíritio e manter o homen no cativeiro do Inferno”. Pactos demoníacos à parte, ainda hoje é com uma boa dose de ceticismo que o brasileiro encara as chamadas estatísticas. Não importa o que pretendam retratar — como vai a saúde ou a economia do país, o que pensa ou como se coporta a população —, os grandes números calculados por órgãos oficiais ou institutots particulares são, senão diabólicos, pelo menos muito misteriosos. A desconfiança tem seus motivos. O brasileiro está se acostumando a assistir a infindáveis bate-bocas sobre a validade dos números que lê. Até parece que atrás de uma pesquisa corre sempre uma polêmica. Quando dois especialistas falam, os que não são do ramo abaixam a orelha. Assim, quem não conhece a metodologia, não sabe o que é variável e nunca viu de perto a tal margem de erro, fica nadando num mar de dúvidas. Afinal, pode-se ou não confiar no que os números dizem? A dúvida é tanta que o brasileiro já incorporou uma nova palavra ao seu vocabulário: “chutometria”. O termo pode ser definido como “sistema de medir por meio de chutes, quer dizer, por palpites”. Mas nem tudo é tão obscuro ou vago no mundo das estatísticas. A verdade é que elas são fundamentais para a compreensão da realidade. O problema é interpretá-las corretamente. É preciso distinguir, primeiro, os dois tipos de estatísticas — as calculadas por amostragem, como as pesquisas sobre a intenção de voto, e as que envolvem a contagem pura e simples, como o censo da população, feito pelo IBGE. Deve-se saber também que há algumas regras básicas empregadas na “contabilidade” e na generalização dos dados obtidos. E tomar alguns cuidados pra não cair em ciladas. “A única maneira de se conferir o resultado exato de uma eleição é realizá-la hoje mesmo”, afirma o estatístico Carlos Alberto de Bragança Pereira. “Como isso é impossível, temos de utilizar os métodos de pesquisa por amostragem”. Bragança Pereira é diretor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP) e foi consultor da Organização dos Estados Americanos (OEA) nas eleições presidenciais do Haiti, El Salvador e Nicarágua. A amostragem é um dos principais instrumentos da Estatística — a área da matemática que lida com os grandes números. Os estatísticos preocupam-se com o levantamento, a organização e a análise dos dados de um conjunto — a população de um país, as mulheres de uma cidade ou as moléculas do corpo humano. Isso pode ser feito de duas maneiras: contando todos os elementos do conjunto (quando isso é possível), ou contando uma pequena parte e calculando os re-sultados globais por generalização. Amostra é uma “fatia” separada para estudo do universo. É como se alguém quisesse descobrir os ingredientes de um bolo de chocolate sem desmilingüir o bolo inteiro e cortasse, para análise, apenas um pedaço. Se a farinha, o fermento, o chocolate e os outros elementos estão bem misturados na massa, a proporção empregada de cada ingrediente pode ser inferida de uma fatia qualquer. No caso das pesquisas eleitorais no Brasil, os ingredientes do bolo de 100 milhões de eleitores não estão bem misturados. Apesar disso, “podemos chegar a uma projeção muito próxima da realidade falando apenas com uma fatia desse conjunto, de 2 500 pessoas”, garante a estatística Renata Nunes César, gerente do Datafolha, instituto ligado ao jornal Folha de S. Paulo. A base do método de análise de um todo por suas fatias é a teoria da probabilidade, criada por dois importantíssimos pensadores do século XVII — o filósofo, matemático e físico francês Blaise Pascal (1623-1662) e o matemático, também francês, Pierre de Fermat (1601-1665). Em 1654, eles foram desafiados por grandes apostadores a calcular quanto uma pessoa poderia ganhar ou perder em jogos de moedas, dados, cartas e roleta. Foi assim que surgiram as fórmulas matemáticas que definem as chances de um evento ocorrer. Hoje, a Estatística é ferramenta indispensável em todas as ciências, biológicas, exatas e sociais. “Mas não se pode dizer que seja, ela própria, uma ciência”, afirma Bragança Pereira. “Não se trata, tampouco, de adivinhação ou magia. É um método de ‘fotografar’ o presente e fazer projeções para o futuro.” Para a foto sair com um bom foco, a parcela a ser estudada tem de ser bem escolhida. Voltando ao exemplo do bolo eleitoral brasileiro, para descobrir a quantidade de cada ingrediente que a receita leva, não basta analisar um naco qualquer. É necessário pegar pedaços diferentes e “montar” uma fatia que seja representativa do bolo inteiro. Para começar, as pessoas não estão distribuídas igualmente pelo território nacional. Algumas áreas têm uma po-pulação maior que outras. É preciso fazer entrevistas em proporção à densidade das regiões. “Até esse ponto, os institutos de pesquisa empregam o mesmo sistema de definição da amostra — por sorteio e proporcionalidade”, explica Örjan Olsén. Sueco, no Brasil há 41 anos, Olsén foi diretor do Ibope e hoje dirige sua própria empresa, a Companhia Brasileira de Pesquisa e Análise (CBPA), em São Paulo. “Daí para diante, podem-se seguir dois métodos diferentes: a amostragem probabilística ou por quotas.” Pelo método probabilístico, tudo tem de ser sorteado dentro de cada setor da cidade: primeiro, o quarteirão, depois, o domicílio e, dentro do domicílio, a pessoa a responder o questionário. Para representar a totalidade dos eleitores brasileiros, os entrevistados têm de se encaixar nos diferentes “tipos de pessoas” que existem no país. São as chamadas variáveis — características, como sexo, idade, ocupação, nível de instrução e situação sócio-econômica, que influem na opinião e no voto de cada um. “É a própria experiência que nos mostra quais variáveis devem ser levadas em conta”, afirma o veterano estatístico José Severo de Camargo Pereira, professor aposentado da USP e consultor do Instituto Gallup. Assim, como a população brasileira é composta 50% por homens e outros 50% por mulheres, aproximadamente, o número total de entrevistas tem sempre de ser feito dentro dessa proporção. “Para garantir a proporcionalidade da amostra probabilística, temos um pequeno pulo-do-gato”, conta Severo. “Qualquer distorção é corrigida por alguns cálculos matemáticos simples”. Essas continhas de chegar são as chamadas ponderações. Na pesquisa por quotas, é diferente. Antes de começarem as entrevistas, é determinado quantas pessoas de cada tipo terá de haver no final. Então, o entrevistador já sai procurando um número definido de eleitores para compor a proporção representativa de cada variável. O principal objetivo do planejamento rigoroso da amostra é garantir a menor margem de erro na pesquisa. Margem de erro significa exatamente o que o nome diz — um intervalo controlado dentro do qual podem variar os resultados finais. Ou seja, um estudo bem planejado não elimina o erro, apenas o limita. O que pode parecer um preciosismo metodológico é muitas vezes o detalhe que faz a diferença. Imagine que o candidato “A” tem 34% das intenções de voto e o candidato “B”, 30%, numa pesquisa com margem de erro de 3%, bastante comum no Brasil. Isso significa que o instituto só afirma que o candidato “A” está com algo entre 31% e 37% das intenções de voto, e o candidato “B”, com 27% a 33% das preferências. Eles podem, portanto, estar empatados, com 33%, ou afastados em até dez pontos percentuais. Prestar atenção na margem de erro é o tipo de cuidado que ajuda a avaliar corretamente as porcentagens que bombardeiam o cidadão. Veja este resultado do censo de 1980: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) levantou na ocasião que havia no Brasil 41.974.865 pessoas casadas, sendo 21.029.031 homens e 20.945.834 mulheres. Percebeu alguma coisa errada? Claro, se no Brasil legalmente só existe casamento monogâmico e heterossexual (isto é, cada homem só pode se casar com uma e apenas uma única mulher), como é que pode haver um número maior de maridos do que de esposas? “É que o IBGE entrevistou pessoas de 15 anos de idade ou mais”, explica Severo. “Como no interior do país é comum as mulheres se casarem até com 13 anos, estas ficaram fora da contagem.” Este é um exemplo de “escorregão” metodológico. Mas os números podem enganar de outras maneiras. Um erro no sistema de levantamento de dados, na composição da amostra, na elaboração do questionário ou na interpretação dos resultados, sem falar na forma de divulgação, podem ser fontes de equívoco. Muitas vezes os números que retratam a realidade brasileira são fruto de meras estimativas. Nos últimos meses, alguns “palpites” formidáveis têm recheado as notícias nos jornais e os discursos políticos. São dados alarmantes, como os supostos 4 milhões de abortos realizados por ano no país, que tem aparecido freqüentemente na imprensa. A estimativa foi atribuída à Organização Mundial da Saúde (OMS), mas lá ninguém assume a autoria da pesquisa. “Contar o número de abortos no Brasil é praticamente impossível”, comenta o epidemiologista Ruy Laurenti, da Faculdade de Saúde Pública da USP. “Simplesmente porque o aborto provocado é proibido por lei e, por isso, é feito clandestinamente, sem registro.” Outro caso polêmico é o dos 32 milhões de brasileiros famintos. A conclusão do trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é que mais de 9 milhões de famílias passam fome porque têm renda abaixo de dois salários mínimos. Entre várias críticas levantadas à metodologia utilizada, afirma-se que não se pode medir a fome das famílias brasileiras por salários mínimos. Metade da população que vive no campo, por exemplo, não é paga em dinheiro, mas em produtos agrícolas, como mantimentos e animais. Daí, não se poder concluir, com segurança, que toda família sem dinheiro no bolso seja necessariamente faminta. Uma simples palavra mal definida também pode ser responsável por grandes disparates estatísticos. É o caso do número de desempregados no Brasil. Os índices variam de 1 milhão a 20 milhões de pessoas. Qual o número correto, afinal? Tudo depende do que se entenda por “desempregado” — quem não tem carteira assinada (nesse caso, a pessoa pode trabalhar como autônomo), quem está procurando emprego, ou quem vive de pequenos negócios, como vender frutas nas esquinas? Mesmo tomadas todas as precauções, as estatísticas podem ser perigosas para quem as lê desavisadamente. Principalmente em assuntos que representem alguma ameaça à vida. Os hipocondríacos e pessimistas crônicos que o digam. Eles sabem o quanto é fácil se auto-incluir em índices crescentes de mortalidade por doenças graves. “As pessoas se esquecem de que, quando se descobre a cura para uma moléstia, a porcentagem de mortes causadas por ela naturalmente cai”, alerta Severo. “Mas, como o total de mortes representa sempre 100%, a porcentagem de óbitos por outras doenças tem de subir”, avisa Severo aos que se preocupam à toa. A dica é não confundir possibilidade com probabilidade. Mesmo antes do choque do cometa Shoemaker-Levy 9 contra Júpiter, em julho passado, foi levantada a hipótese de que o mesmo poderia acontecer na Terra. A crença no desastre se fortaleceu quando o Congresso americano anunciou planos de investir 50 milhões de dólares num gigantesco programa de prevenção à queda de cometas por aqui. A idéia dos congressistas americanos é que a NASA desenvolva um sistema de rastreamento e destruição de grandes objetos que eventualmente entrem em rota de colisão com o planeta. Mas qual é a probabilidade real de um cometa ou asteróide atingir a Terra? “É de uma vez a cada 100 milhões ou 200 milhões de anos”, afirma o astrônomo Augusto Damineli Neto, do Instituto de Astronomia e Geofísica da USP e colaborador de SUPER. Damineli explica que o planeta é bombardeado todos os dias por rochas menores, pesando até um quilo, comuns no espaço. Mas, por serem muito pequenos, esses meteoros desintegram-se assim que entram na atmosfera. “Corpos maiores, como o Shoemaker, são bem mais raros. Além disso, a Terra é um alvo minúsculo, em termos astronômicos, e, portanto, difícil de acertar.” Como se acredita que o último cometa a passar por aqui tenha sido aquele que eliminou os dinossauros da face da Terra, há 65 milhões de anos, o mais provável é que a NASA tenha de esperar pelo menos outros 35 milhões de anos para colocar em uso as armas de caça a cometas. Ou seja, existe a possibilidade, mas a probabilidade de que isso venha a ocorrer é mínima. Em se tratando de pesquisa, “o mais provável” é a única expressão que se pode utilizar. Em Estatística não existem certezas — pelo menos enquanto os especialistas não fizerem o pacto com o demônio, tão temido por Santo Agostinho. “Ninguém é guru ou adivinho. A única verdade absoluta sobre Estatística é que, por mais próximo que os resultados estejam da realidade, a probabilidade de se acertar exatamente na ‘mosca’ é remotíssima”, diz Bragança Pereira.

A ciência de provar qualquer coisa

A ciência de provar qualquer coisa Ovo frito faz bem? Ovo frito faz mal? Entenda por que é tão fácil confirmar cientificamente teorias opostas - e por que a maioria dos resultados tem mais chance de ser falsa do que de ser verdadeira por Salvador Nogueira
Em 2003, um grupo de cientistas italianos (de onde mais?) constatou que comer pizza poderia prevenir alguns tipos de câncer do sistema digestivo. Para chegar a essa conclusão, examinaram 3 315 pessoas com a doença e as contrastaram com outros 5 mil indivíduos que não tinham câncer. Entre os saudáveis havia muito mais pessoas que comiam pizza do que no grupo dos doentes. De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Quatro anos depois, um novo estudo, feito por cientistas chineses, constatou que uma dieta rica em proteína animal (que inclui a boa e velha mussarela das pizzas) aumenta em até 50% o risco de câncer no sistema digestivo. Para chegar a essa conclusão, pegaram 1 204 mulheres com o tumor e as compararam com 1 212 outras saudáveis. As saudáveis comiam menos proteína animal (ou seja, queijo) do que as doentes. Adivinhe o que fizeram então os chineses? De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Mas e aí, aquela pizzada evita ou estimula o câncer? O que esses estudos nos dizem sobre o hábito de comer pizza? Na realidade, os estudos não nos ensinam nada sobre pizza - mas muito sobre ciência. Quem acompanha com frequência o noticiário já percebeu que nem sempre dá para botar fé nos resultados científicos que pululam na mídia. Um dia, comer ovo protege o coração; no dia seguinte, aumenta o risco de enfarte. Aspirina uma hora ajuda a mitigar o mal de Alzheimer; na outra, não faz efeito. A ciência parece ter a inexplicável característica de conseguir provar qualquer coisa. Mas como isso pode acontecer? Números e números Apesar de tantos resultados contraditórios, é difícil calcular uma proporção de erros para pesquisas científicas. Uma das únicas tentativas feitas até hoje é um estudo da Universidade Tufts, de Boston, que afirma que mais de 50% dos resultados que nos são apresentados diariamente pelos cientistas estão errados. Para o autor do trabalho, John Ioannidis, até mesmo praticando a "boa ciência" (ou seja, baseada em premissas razoáveis e protocolos confiáveis), é possível obter um resultado que seja cientificamente defensável, mas absolutamente falso. E ele tem fortes motivos para acreditar nisso. Fazer ciência significa elaborar uma hipótese e executar um experimento para sustentá-la. É aí que está o primeiro gancho: tudo que um cientista imaginar pode ser estudado. Para cada trabalho que comprova, vamos dizer..., que comer ameixa ajuda no funcionamento do intestino, pode haver dezenas de outros provando que ameixas previnem resfriados ou curam dores nas costas, por exemplo. "O problema básico é que há muito mais hipóteses falsas no mundo do que verdadeiras. Assim, se você testar todas as hipóteses que surgirem na sua cabeça, a maioria das que parecerem verdadeiras será na verdade falsa", diz Alex Tabarrok, economista da Universidade George Mason, no Canadá. Para testar esses milhões de hipóteses possíveis, os cientistas então se munem de amostras enormes para extrair resultados relevantes. "Amostras maiores são melhores. Mas nem sempre resolvem o problema", afirma Tabarrok. É o caso dos estudos das pizzas. Cada um analisou milhares de pessoas - e ainda assim resultaram em conclusões opostas. Ocorre que, por melhores que sejam as amostras, às vezes elas tendem a confirmar hipóteses falsas. Segundo análises estatísticas, erros assim ocorrem em mais ou menos 5% dos casos. É algo parecido com o que acontece com as pesquisas de intenção de voto. Costumam acertar na mosca - mas nem sempre. Não é difícil entender os perigos armados por correlações estatísticas. O método é arriscado para chegar a conclusões definitivas. Afinal, a correlação estatística (que analisa dois fatores distintos como "mais pizza/menos câncer") pode ser explicada por alguma outra coisa que o estudo não considerou. Isso aconteceu em 2007, quando uma pesquisa da Universidade Harvard, nos EUA, relacionou o consumo de soja com infertilidade masculina. O dado deixou milhares de homens com medo de tofu, mas poucos prestaram atenção num detalhe. Os voluntários do estudo (que, aliás, eram somente 99) foram angariados numa clínica de reprodução. Ou seja, provavelmente já tinham problemas de fertilidade - independentemente do consumo de soja. Ciência best seller A coisa só piora quando os cientistas precisam justificar o financiamento às suas linhas de pesquisa. O que acontece, então, é que eles se concentram sempre nos mesmos tópicos quentes. É o caso do estudo das células-tronco ou de análises de risco de doenças com base na genética: são assuntos que estão na moda - e precisam lutar entre si por um espaço ao sol. É aí que entra o fantasma do hype, o gosto de revistas por publicar resultados bombásticos, mesmo que não sejam os mais precisos (ou você já viu uma pesquisa anunciando que algo não causa alguma doença?). Ultimamente, a situação ficou tão crítica que a Nature, revista científica mais prestigiada do planeta, estabeleceu um canal para pesquisadores apontarem se há algo hype nos artigos que andam publicando. Tanta preocupação se justifica. O estudo de Ioannidis, o que afirma que a maioria das pesquisas está errada, acompanhou 49 trabalhos que foram publicados nas mais importantes revistas científicas do mundo - e mostrou que um terço deles foi desmentido em poucos anos. Ou seja, tem gente publicando resultados bombásticos demais - o que é bom para os negócios e péssimo para a ciência. O que também determina a publicação de uma pesquisa é o sistema de peer-review ("revisão por pares"), em que um trabalho só recebe a chancela de uma revista científica depois que outros cientistas julgam se tratar de boa ciência. Quem conhece bem esse sistema é o físico português João Magueijo, do Imperial College, de Londres. Ele tentou propor uma teoria em que a velocidade da luz não fosse constante - uma ideia que contrasta com a Teoria da Relatividade de Einstein. Resultado: todos seus artigos foram recusados. "Qualquer ideia muito nova tem um problema já no início", diz Magueijo. Para ele, os grandes papas da ciência, que julgam os novos artigos, costumam rejeitar propostas diferentes do status quo porque passaram a vida se dedicando a noções consagradas. "Sim, existem problemas no peer-review", diz Henry Gee, editor da Nature. "Mas, num todo, ainda funciona. Afinal, quem dá o parecer também é autor, e espera que seu próximo estudo seja tratado com justiça. Por isso, tenderá a ser justo." Ainda assim, se não houvesse falhas, como explicar grandes fraudes, como a do sul-coreano Woo-suk Hwang, que em 2004 disse ter clonado humanos? Eis que a ciência não é aquele conjunto de verdades que gostaríamos que fosse. No fim das contas, avanços são inegáveis. Mas, quando os cientistas estão ainda testando hipóteses, o processo é muito mais tor-tuoso do que se imagina. Só não podemos desprezar o valor da pesquisa. Até mesmo trabalhos pouco conclusivos são importantes. "Alguns dos resultados de baixa credibilidade podem levar a novos modos de pensar. Gostaria apenas que não tivéssemos vergonha de dizer ‘encontramos algo muito interessante, mas que tem apenas 1% de probabilidade de ser verdadeiro’", diz Ioannidis. Aí, quem sabe, não teríamos de quebrar a cabeça para saber se o delicioso ovo da página anterior faz bem ou mal. Os caminhos da ciência Pegamos 3 hipóteses testadas sobre ovo que resultaram em conclusões bem diferentes. E tudo com base na ciência Para saber mais Why Most Published Research Findings Are False pubmedcentral.nih.gov/articlerender. Ovo frito faz bem? Ovo frito faz mal? Entenda por que é tão fácil confirmar cientificamente teorias opostas - e por que a maioria dos resultados tem mais chance de ser falsa do que de ser verdadeira por Salvador Nogueira Em 2003, um grupo de cientistas italianos (de onde mais?) constatou que comer pizza poderia prevenir alguns tipos de câncer do sistema digestivo. Para chegar a essa conclusão, examinaram 3 315 pessoas com a doença e as contrastaram com outros 5 mil indivíduos que não tinham câncer. Entre os saudáveis havia muito mais pessoas que comiam pizza do que no grupo dos doentes. De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Quatro anos depois, um novo estudo, feito por cientistas chineses, constatou que uma dieta rica em proteína animal (que inclui a boa e velha mussarela das pizzas) aumenta em até 50% o risco de câncer no sistema digestivo. Para chegar a essa conclusão, pegaram 1 204 mulheres com o tumor e as compararam com 1 212 outras saudáveis. As saudáveis comiam menos proteína animal (ou seja, queijo) do que as doentes. Adivinhe o que fizeram então os chineses? De posse de dados tão conclusivos, publicaram os resultados no International Journal of Cancer. Mas e aí, aquela pizzada evita ou estimula o câncer? O que esses estudos nos dizem sobre o hábito de comer pizza? Na realidade, os estudos não nos ensinam nada sobre pizza - mas muito sobre ciência. Quem acompanha com frequência o noticiário já percebeu que nem sempre dá para botar fé nos resultados científicos que pululam na mídia. Um dia, comer ovo protege o coração; no dia seguinte, aumenta o risco de enfarte. Aspirina uma hora ajuda a mitigar o mal de Alzheimer; na outra, não faz efeito. A ciência parece ter a inexplicável característica de conseguir provar qualquer coisa. Mas como isso pode acontecer? Números e números Apesar de tantos resultados contraditórios, é difícil calcular uma proporção de erros para pesquisas científicas. Uma das únicas tentativas feitas até hoje é um estudo da Universidade Tufts, de Boston, que afirma que mais de 50% dos resultados que nos são apresentados diariamente pelos cientistas estão errados. Para o autor do trabalho, John Ioannidis, até mesmo praticando a "boa ciência" (ou seja, baseada em premissas razoáveis e protocolos confiáveis), é possível obter um resultado que seja cientificamente defensável, mas absolutamente falso. E ele tem fortes motivos para acreditar nisso. Fazer ciência significa elaborar uma hipótese e executar um experimento para sustentá-la. É aí que está o primeiro gancho: tudo que um cientista imaginar pode ser estudado. Para cada trabalho que comprova, vamos dizer..., que comer ameixa ajuda no funcionamento do intestino, pode haver dezenas de outros provando que ameixas previnem resfriados ou curam dores nas costas, por exemplo. "O problema básico é que há muito mais hipóteses falsas no mundo do que verdadeiras. Assim, se você testar todas as hipóteses que surgirem na sua cabeça, a maioria das que parecerem verdadeiras será na verdade falsa", diz Alex Tabarrok, economista da Universidade George Mason, no Canadá. Para testar esses milhões de hipóteses possíveis, os cientistas então se munem de amostras enormes para extrair resultados relevantes. "Amostras maiores são melhores. Mas nem sempre resolvem o problema", afirma Tabarrok. É o caso dos estudos das pizzas. Cada um analisou milhares de pessoas - e ainda assim resultaram em conclusões opostas. Ocorre que, por melhores que sejam as amostras, às vezes elas tendem a confirmar hipóteses falsas. Segundo análises estatísticas, erros assim ocorrem em mais ou menos 5% dos casos. É algo parecido com o que acontece com as pesquisas de intenção de voto. Costumam acertar na mosca - mas nem sempre. Não é difícil entender os perigos armados por correlações estatísticas. O método é arriscado para chegar a conclusões definitivas. Afinal, a correlação estatística (que analisa dois fatores distintos como "mais pizza/menos câncer") pode ser explicada por alguma outra coisa que o estudo não considerou. Isso aconteceu em 2007, quando uma pesquisa da Universidade Harvard, nos EUA, relacionou o consumo de soja com infertilidade masculina. O dado deixou milhares de homens com medo de tofu, mas poucos prestaram atenção num detalhe. Os voluntários do estudo (que, aliás, eram somente 99) foram angariados numa clínica de reprodução. Ou seja, provavelmente já tinham problemas de fertilidade - independentemente do consumo de soja. Ciência best seller A coisa só piora quando os cientistas precisam justificar o financiamento às suas linhas de pesquisa. O que acontece, então, é que eles se concentram sempre nos mesmos tópicos quentes. É o caso do estudo das células-tronco ou de análises de risco de doenças com base na genética: são assuntos que estão na moda - e precisam lutar entre si por um espaço ao sol. É aí que entra o fantasma do hype, o gosto de revistas por publicar resultados bombásticos, mesmo que não sejam os mais precisos (ou você já viu uma pesquisa anunciando que algo não causa alguma doença?). Ultimamente, a situação ficou tão crítica que a Nature, revista científica mais prestigiada do planeta, estabeleceu um canal para pesquisadores apontarem se há algo hype nos artigos que andam publicando. Tanta preocupação se justifica. O estudo de Ioannidis, o que afirma que a maioria das pesquisas está errada, acompanhou 49 trabalhos que foram publicados nas mais importantes revistas científicas do mundo - e mostrou que um terço deles foi desmentido em poucos anos. Ou seja, tem gente publicando resultados bombásticos demais - o que é bom para os negócios e péssimo para a ciência. O que também determina a publicação de uma pesquisa é o sistema de peer-review ("revisão por pares"), em que um trabalho só recebe a chancela de uma revista científica depois que outros cientistas julgam se tratar de boa ciência. Quem conhece bem esse sistema é o físico português João Magueijo, do Imperial College, de Londres. Ele tentou propor uma teoria em que a velocidade da luz não fosse constante - uma ideia que contrasta com a Teoria da Relatividade de Einstein. Resultado: todos seus artigos foram recusados. "Qualquer ideia muito nova tem um problema já no início", diz Magueijo. Para ele, os grandes papas da ciência, que julgam os novos artigos, costumam rejeitar propostas diferentes do status quo porque passaram a vida se dedicando a noções consagradas. "Sim, existem problemas no peer-review", diz Henry Gee, editor da Nature. "Mas, num todo, ainda funciona. Afinal, quem dá o parecer também é autor, e espera que seu próximo estudo seja tratado com justiça. Por isso, tenderá a ser justo." Ainda assim, se não houvesse falhas, como explicar grandes fraudes, como a do sul-coreano Woo-suk Hwang, que em 2004 disse ter clonado humanos? Eis que a ciência não é aquele conjunto de verdades que gostaríamos que fosse. No fim das contas, avanços são inegáveis. Mas, quando os cientistas estão ainda testando hipóteses, o processo é muito mais tor-tuoso do que se imagina. Só não podemos desprezar o valor da pesquisa. Até mesmo trabalhos pouco conclusivos são importantes. "Alguns dos resultados de baixa credibilidade podem levar a novos modos de pensar. Gostaria apenas que não tivéssemos vergonha de dizer ‘encontramos algo muito interessante, mas que tem apenas 1% de probabilidade de ser verdadeiro’", diz Ioannidis. Aí, quem sabe, não teríamos de quebrar a cabeça para saber se o delicioso ovo da página anterior faz bem ou mal. Os caminhos da ciência Pegamos 3 hipóteses testadas sobre ovo que resultaram em conclusões bem diferentes. E tudo com base na ciência Para saber mais Why Most Published Research Findings Are False pubmedcentral.nih.gov/articlerender.