Revista Época
19/03/2009 - 15:14 - ATUALIZADO EM 19/03/2009 - 15:44
"Não tenho a mínima chance de ganhar um prêmio Nobel"
Primeiro brasileiro a ter uma pesquisa publicada na capa da conceituada revista Science, Miguel Nicolelis, que desenvolveu um técnica cirúrgica para ajudar pacientes do Mal de Parkinson, diz que a disputa é muito concorrida e que ele não participa das rodas sociais onde as decisões sobre o Nobel são tomadas
PETER MOON
Pesquisa Nicolelis desenvolveu uma nova técnica cirúrgica para pacientes com Mal de Parkinson
Pela primeira vez em seus 128 anos de existência, a revista Science, a mais prestigiosa publicação científica mundial, dedica sua capa à pesquisa de um brasileiro, o neurocientista Miguel Ângelo Laporta Nicolelis. Paulistano de 48 anos e torcedor fanático do Palmeiras, Nicolelis vive nos Estados Unidos, onde dirige o Centro de Neurociência da Universidade Duke, na Carolina do Norte. Nicolelis começou a despontar na ciência em 1999, quando implantou um chip no cérebro de uma macaca, permitindo que ela movimentasse um braço robô usando apenas o pensamento. Na última década, Nicolelis já fez macacos controlarem o andar de robôs e inaugurou o Instituto de Neurociência de Natal, no Rio Grande do Norte, onde desenvolve pesquisas em paralelo com seu laboratório americano. Sua conquista mais recente é a capa da Science. Nicolelis desenvolveu uma nova técnica cirúrgica desenvolvida, baseada na estimulação elétrica da medula espinhal, que é um novo tratamento potencial para pacientes com Mal de Parkinson. Nesta entrevista a ÉPOCA, Nicolelis explica sua nova experiência e afirma não ter a "mínima chance" de ser o primeiro Nobel brasileiro.
ÉPOCA - Por que sua pesquisa foi publicada na capa da Science?
Nicolelis - É a primeira vez que a ciência brasileira ganha a capa da mais prestigiosa publicação científica do planeta. Em 2000, a revista inglesa Nature já havia publicado uma capa com o sequenciamento do genoma da bactéria Xylela fastidiosa, a responsável pela praga do amarelinho, que ataca os laranjais. Naquele caso, se tratava de um consórcio de vários laboratórios que fizeram o sequenciamento. Foi um esforço muito bonito da ciência brasileira. Agora, no caso desta capa da Science, acho que seus editores escolheram a minha pesquisa porque ela representa não só uma nova terapia potencial para os pacientes com Mal de Parkinson. É uma nova técnica cirúrgica que pode influenciar o tratamento de outras doenças.
ÉPOCA - Poderia explicar esta nova técnica?
Nicolelis - A idéia dessa cirurgia surgiu por acaso, em um jantar com meus alunos há dois anos. Estávamos conversando sobre os sinais cerebrais dos ratos com Parkinson, quando percebi que aquele padrão era muito semelhante ao que já tinha visto dez anos antes, em pacientes com epilepsia. Daí veio a pergunta: será que o Mal de Parkinson é uma forma especial de epilepsia? No caso dos doentes com Parkinson, o que existe é uma concentração nos disparos elétricos dos neurônios num determinado intervalo de tempo. Quando acontece essa concentração de disparos, o paciente perde o controle do próprio movimento. Resolvemos testar este modelo com cobaias, e verificar se havia tratamento para os sintomas.
ÉPOCA - Como isso foi feito?
Nicolelis - O trabalho aconteceu com camundongos saudáveis que receberam uma medicação para manifestar sintomas semelhantes aos do Mal de Parkinson, uma doença degenerativa do sistema nervoso que acomete, em geral, pessoas idosas, comprometendo seus movimentos e a sua locomoção. Nesta experiência, nós também usamos ratos com lesões na medula espinhal, que causam paralisia permanente. Nos dois casos, implantamos uma prótese na medula espinhal das cobaias. A prótese disparou estímulos elétricos diretamente na medula espinhal. Cerca de três segundos após cada disparo, os sintomas de paralisia cessaram, os animais começaram a andar, e os sintomas semelhantes aos do Mal de Parkinson desapareceram.
ÉPOCA - Mas por que os sintomas desapareceram?
Nicolelis - Usamos o implante na medula para, através de estímulos elétricos, injetar ruído no cérebro dos ratos, de tal maneira a tornar a concentração de disparos que causa o descontrole motor mais caótico, em vez de mais organizada. A ironia é que a criação desse caos se mostrou benéfica. Ela é saudável para o cérebro. A elevação do ruído restabeleceu o controle sobre os movimentos. Para o senso comum, deveria acontecer exatamente o contrário. Na visão clássica, o cérebro precisa de ordem, não de caos. Mas esta é a visão clássica da engenharia, e o cérebro não foi construído por engenheiros. Todos os comentários que tenho recebido dos especialistas em Parkinson - e eu não sou um deles - mostram que eles estão muito surpresos e satisfeitos. Ninguém pensou nisso.
ÉPOCA - Até hoje, o senhor era conhecido por fazer implantes no cérebro de cobaias. Qual é a vantagem do novo método?
Nicolelis - A vantagem da estimulação na medula é que ela pode ser feita logo no início da doença, e é muito menos invasiva do que o implante de uma prótese dentro do cérebro. Este é um procedimento ao qual apenas um terço dos pacientes têm condições de se submeter. O mais interessante da nova cirurgia é que, quando se combina essa nova cirurgia com a medicação tradicional prescrita para pacientes com Parkinson, eles só precisam usar um quinto da dose convencional. Com uma dose tão baixa, não há efeitos colaterais nem o desenvolvimento de tolerância à medicação. Ou, pelo menos, o risco do desenvolvimento desta tolerância pode ser afastado por vários anos.
ÉPOCA - Qual é o próximo passo?
Nicolelis - Esta cirurgia é um tratamento potencial para o Mal de Parkinson. Em 2009, vamos replicar o estudo em saguis, no Instituto de Neurociência de Natal, no Rio Grande do Norte. Se os resultados forem semelhantes aos obtidos com ratos, poderemos iniciar os testes clínicos com humanos em 2010.
ÉPOCA - Miguel Nicolelis será o primeiro brasileiro a ganhar um prêmio Nobel?
Nicolelis - Não, de jeito nenhum. Não tem a mínima chance. É uma coisa muito competitiva, e eu não participo das rodas sociais onde essas decisões são tomadas. Mas se, nos próximos anos, eu conseguir produzir essa nova teoria do cérebro e ela for aceita, como também consiga construir as próteses robóticas que vão alterar a vida de gente que está paralisada, o resto é... é o resto. Realizar estes feitos é a minha obsessão. Se eu conseguir chegar perto de realizar algum destes objetivos, e o Palmeiras voltar a ganhar alguma coisa que preste, vou estar satisfeito.
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